5 de julho de 2017

Passos - Suzette Rizzo

Já sai da estrada reta,
enveredei por atalhos frios,
enrosquei-me em braços quentes,
vazios de sentimentos.
Já caí no poço escuro,
estive excluída de mim,
atirando meus princípios
ao relento.

Já postei minhas mãos pelas igrejas,
percorrendo imagens cansadas
de tantos segredos.
Já exclui sonhos puros da cabeça,
e um dia, um novembro gelado,

passou por mim um mau pensar,
previ a morte do ser amado.

Já busquei anjos ocultos em meu quarto,
bifurquei tantos atalhos...
já fui deusa de um bastardo,
musa de compositor,
deitei no piano de um deles
e lá mesmo fiz amor.

Percorri anos honestos,
inventei  pratos franceses,
já cantei pelos banheiros,
já chorei por corredores,
fiz meu circo dos horrores.

Já vivi a minha vida,
já vivi a minha morte...
tive azar,  já tive sorte,
com anjos e gárgulas feias
vestindo carnes de príncipes
e roupas em andrajos.

Já morri milhões de vezes,
já sofri fases inteiras,
emagreci de tanto ingerir
o amargor desses tormentos.
Hoje, vejo sombras distorcidas
e ouço o gritar dos ventos.
Suzette Rizzo
2004

Imagem: 
Foto de Catherine McIntyre, presente do poeta e amigo Gabriel Ribeiro
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